terça-feira, 19 de novembro de 2013

quadra partida

sentia-se um gênio
à frente de seu tempo

em sua velhice precoce
era só genioso, e só

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Joaquim Barbosa, cotas, imagens

Originalmente postado no Facebook, dia 24/11/2012

Quem vem postando fotografias do ministro Joaquim Barbosa com textos anticota sabe que vem fazendo papel de bobo? Se não sabe, lá vai:

- Da transcrição da audiência pública referente ao tema de cotas na UnB (texto integral:http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoaudienciapublicaacaoafirmativa/anexo/notas_taquigraficas_audiencia_publica.pdf ), destaco a primeira fala do ministro J. Barbosa:

Senhor Presidente, Senhor Ministro Ricardo Lewandowski, senhores participantes, é com muita satisfação que também participo dessa cerimônia de abertura das audiências públicas que visam a colher subsídios de experts e representantes governamentais e da sociedade civil sobre o magno tema relacionado à questão da igualdade substancial ou da tentativa de inserção consequente de minorias no sistema produtivo e educativo do nosso País.
Vejo como extremamente alvissareira essa nossa primeira experiência. Vejo como o encontro da sociedade sobre um tema sobre o qual ela nem sempre quis discutir com a devida abertura. Vejo como extremamente positivo, e é um prazer estar aqui neste momento.

- Não sabe como funcionam as cotas na UnB? Por preguiça, comodismo ou preconceito? De qualquer modo, aí vai o link:http://www.unb.br/estude_na_unb/sistema_de_cotas#perguntas

- No Currículo Lattes do ministro, que surpresa, um livro sobre ações afirmativas:http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4781436A8#LivrosCapitulos

- Ainda sem esgotar o tema, vamos ao clipping do STF:http://www.stf.jus.br/portal/cms/vernoticiadetalhe.asp?idconteudo=206042

Perdi uns minutos pesquisando, mas só porque fiquei injuriado de ver como conseguem compartilhar mensagens pensando que dão peso ao que pensam e não percebem que apenas mostram que não sabem de que estão falando. Falando, não: "compartilhando".

sábado, 16 de novembro de 2013

Jamais me convide para beber. Não há coleguismo na empunhadura do copo ou transfiguração que me faça enxergar a felicidade escondida no álcool. Não gosto, simplesmente.

É curioso ter uma postura dessas num mundo em que todos bebem. Mais curioso é pensar desse modo e passar a noite lendo Omar Khayyam. Bom, ao menos, alguns de seus versos me absolvem.

Considera com indulgência os que bebem até a embriaguez.
Lembra-te de que tens defeitos maiores.
Se queres conhecer a paz e a serenidade, pensa
nos miseráveis que padecem os piores infortúnios e... acabarás por julgar-te feliz.
Só me cabe reconhecer minha arrogância e deixar os que se divertem do jeito deles lá, enquanto me divirto do meu cá.


domingo, 10 de novembro de 2013

A confusão de uma pessoa apaixonada geralmente tem um pouco de lugar-comum, outro tanto de expectativas e abertura ao inesperado. Além de um prenúncio à dor. Já diziam os antigos trovadores, "tu me confundes".


O que os olhos não Vem cá!
O coração não Sente-se, fique à vontade.

sábado, 2 de novembro de 2013

ao voltar de férias

pela duração do descanso merecido,
não houve tempo de negar o negócio
pelo meu ócio
já que a regra não beneditina – ora, bolas
me acossava, asseverando o retorno protocolado
em vias de fato, do funcionário 26/2252
a seu novo posto de trabalho:
próximo a uma janela com sol enquadrado em moldura
por conta de reconstrução de organograma,
de metodologias sem ângulos agudos,
de ave césar, do ministério da educação
tudo corrido, sem fôlego e sem pressa, ao longo dos anos.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Manual de olvido

aproveitar a procura
e não encontrar um nada de recordo
uma faca sem corte de tanto que cortou
uma foto seca, sem cor
um talo de flor que murchou dentro dum copo
alguma lembrança que por ventura se salvou

procurar fotos e não encontrá-las
visar o chão e não ver sangue derramado
ver-se no espelho e não reconhecer-se
em rugas, ricto e rasgos.

pensar na morte do leiteiro
na biblioteca sem fim no cacto
na Ismália nas pegadas do caminhante
no elefante no albatroz
enganar-se na porfia com falsa medida
cosendo com os pontos de Penélope.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

o Nada

o poeta Affonso Romano de Sant'anna certa vez
disse que um amigo, ainda criança
contou-lhe o caso dum professor da infância
o mestre asseverou que sua aula não servia para nada
veio o choque e a pergunta e a resposta
"agora, vou lhes ensinar o que é o Nada"

poeta operário

poeta operário acorda e trabalha
poeta operário luta dia a dia por seus filhos
pais e dependentes
não há tempo para entrar em refrega
ou escrever texto em resposta
à resposta do desafeto
poeta operário tem de trabalhar
dia a dia, sol a sol, sem cessar
com ritmo e repetição
em sua máquina emprestada
para, à força de engrenagem,
cuspir um pedaço de si
um minúsculo pedaço de nada

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

São Paulo e sua feiúra



O excesso de prédios, bem como o esqueleto urbano, nos atrapalha a enxergar o que está distante, impede nossa visão de chegar ao horizonte e mesmo de visualizarmos o inimaginável.

A visão do panorama é a ciência dos sonhadores: olhamos para a vastidão e nela imaginamos castelos, histórias, sistemas filosóficos, questionamos os porquês da vida e dos outros, e tudo isso num átimo. Basta lembrarmos das vastidões de Caspar David Friedrich...

Como isso é possível numa cidade em que os prédios impedem a contemplação da distância? Como é possível tamanha violência vertical, que nos nega o horizonte?

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Descrição da mulher de maio

a boca como que talhada em perfeição geométrica
os olhos claros miúdos redondos fotográficos
a pele doce, macia, avermelhada em pontos rubros de vergonha
branca em pontos comuns
a face toda bela, toda perfeita
marmórea resplandecente

as mãos pequenas, trêmulas e belas ao vento
tão lindas, perfeitas e esmaltadas

o passo firme em toda sua justa estatura
que segue caminhos longos e transversos
diversos, que em fortuna cruzam-se com os meus



quarta-feira, 31 de julho de 2013

A dúvida como base

Um excerto de Sérgio Milliet bem pertinente em "O Ato Crítico", de Antonio Candido:

O cepticismo (...) traz em seu bojo o construtivismo, porquanto somente poderá se edificar solidamente aquilo que, antes de servir de alicerce, tenha passado pelo crivo miúdo de dúvida.

Está em A Educação pela Noite, 5ª ed., p. 155. É um trecho curto mas muito importante.


punição e justiça

Um cumprimento de sentença no sistema penitenciário deveria se pautar pelo afastamento do penalizado da sociedade, culminando numa futura ressocialização dele. Na real, o que acontece não é isso: é apenas castigo. Ninguém no Brasil é posto numa penitenciária para ser reeducado e entrar em consonância com seus pares, mas simplesmente para ser punido. Até porque penitenciária = lugar de penitência.

E ser "ressocializado" para quê? Para continuar sem um emprego decente, com um salário que dê para comprar aquilo que as propagandas jogam em nossa cara, que devemos ter? Celulares, carros novos, roupas com uma palavra estampada; emblemas de que você não está à margem. E como voltar a fazer parte da sociedade, se você nunca esteve efetivamente nela?

Um exercício básico e que poucos parecem praticar é o da alteridade. Coloque-se na posição do outro; pare de pensar que o *seu* lugar é dentro do carro e que o mal vai te atacar pela janela aberta do seu carro. Imagine-se morando na periferia. Imagine-se filho de migrantes. Imagine-se num contexto em que é mais fácil entrar para o crime do que conseguir um emprego. Imagine-se sem uma educação formal sólida (que deveria ser fornecida pelo Estado, lembre-se) que lhe permitisse passar em concursos públicos ou conseguir trabalhos de remuneração razoável.

Agora, imagine-se por outro prisma: o da vingança. O das paixões. O da justiça. Reflita se o que deseja é um país sem crimes ou se prefere que todo criminoso seja punido. No primeiro caso, a solução -- embora utópica -- seria dividir a renda e criar condições para que todo brasileiro, desde a infância, entrasse em contato com a cultura e tivesse condições dignas de moradia, de alimentação, de saneamento -- pense só na revolução interna pela qual o Estado deveria passar para isso acontecer, já que essa é a base da gênese de um cidadão; o segundo caso é mais simples: aumentar o número de presídios, diminuir a tão falada maioridade penal, aumentar e aparelhar o efetivo policial (sabe, a rrrota na rrrua?).

A primeira opção é virar o país do avesso em busca de uma igualdade mínima; a segunda, manter o statu quo, em que pessoas continuarão sendo mortas por ninharias, e os sobreviventes desejarão punição por vingança, por medo e pelo que julgam ser justiça.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

contrastes

aqui chove, lá fora há névoa
aqui está quente, lá neva
aqui o peito aperta, lá eu não sei

domingo, 7 de julho de 2013

Poema

acordei, abri os olhos
e vi a Lua me olhando
pensando
esse homem parece um koan


sexta-feira, 21 de junho de 2013

o Vinte de junho

tomou a rua a turba
não há placas de conversão
à direita, mas espreita
atenção: fascínoras

sábado, 13 de abril de 2013

Justiça, medo e vingança


Um cumprimento de sentença no sistema penitenciário deveria se pautar pelo afastamento do penalizado da sociedade, culminando numa futura ressocialização dele. Na real, o que acontece não é isso: é apenas castigo. Ninguém no Brasil é posto numa penitenciária para ser reeducado e entrar em consonância com seus pares, mas simplesmente para ser punido. Até porque penitenciária = lugar de penitência.

E ser "ressocializado" para quê? Para continuar sem um emprego decente, com um salário que dê para comprar aquilo que as propagandas jogam em nossa cara, que devemos ter? Celulares, carros novos, roupas com uma palavra estampada; emblemas de que você não está à margem. E como voltar a fazer parte da sociedade, se você nunca esteve efetivamente nela?

Um exercício básico e que poucos parecem praticar é o da alteridade. Coloque-se na posição do outro; pare de pensar que o seu lugar é dentro do carro e que o mal vai te atacar pela janela aberta do seu carro. Imagine-se morando na periferia. Imagine-se filho de migrantes. Imagine-se num contexto em que é mais fácil entrar para o crime do que conseguir um emprego. Imagine-se sem uma educação formal sólida (que deveria ser fornecida pelo Estado, lembre-se) que lhe permitisse passar em concursos públicos ou conseguir trabalhos de remuneração razoável.

Agora, imagine-se por outro prisma: o da vingança. O das paixões. O da justiça. Reflita se o que deseja é um país sem crimes ou se prefere que todo criminoso seja punido. No primeiro caso, a solução -- embora utópica -- seria dividir a renda e criar condições para que todo brasileiro, desde a infância, entrasse em contato com a cultura e tivesse condições dignas de moradia, de alimentação, de saneamento -- pense só na revolução interna pela qual o Estado deveria passar para isso acontecer, já que essa é a base da gênese de um cidadão; o segundo caso é mais simples: aumentar o número de presídios, diminuir a tão falada maioridade penal, aumentar e aparelhar o efetivo policial (sabe, a rrrota na rrrua?).

A primeira opção é virar o país do avesso em busca de uma igualdade mínima; a segunda, manter o statu quo, em que pessoas continuarão sendo mortas por ninharias, e os sobreviventes desejarão punição por vingança, por medo e pelo que julgam ser justiça.

domingo, 17 de março de 2013

Sobre a amizade

O que é a amizade para você?

Começo com uma pergunta e pedindo-lhe que reflita comigo a respeito dela.

Uma das coisas que nos define como seres humanos é a vida em sociedade. Saber lidar com o diferente, aprender a valorizar experiências, dividir nossa ignorância e nossos conhecimentos, tudo isso faz parte da vida em comum. Ao vivermos num mundo obrigatoriamente coletivo, percebemos que aos poucos passamos a fazer parte de teias de relações com outros seres humanos (e mesmo com animais, mas isso fugiria ao que quero comentar). Algumas dessas relações nos são dadas, e a isso chamamos família. Outras são construídas e desconstruídas ao longo de nossas vidas, e essas são a amizade e os amores.

Já deu para ver que estou falando de afeto, não é? E afeto em várias escalas, mas o que me interessa neste momento é o que existe entre pessoas que se consideram amigas. A amizade costuma se dar por afinidades, que podem ser de infinitas categorias: de gênero, de gostos afins, de contiguidade num mesmo espaço (quando uma relação de coleguismo evolui para uma amizade) e por aí vai. Se você já teve algum amigo, sabe do que estou falando, certo? :)

E por que a amizade é tão boa, como dizem? Porque é numa relação de afeto que se dão muitas coisas boas da vida! É apenas com um amigo que você pode partilhar quem você realmente é, pode rir de coisas estapafúrdias e agir sem esperar julgamento (ou ao menos, menos). Podemos nos ferir ao longo da vida e sem dúvida nos ferimos, e a amizade é um dos melhores bálsamos de que podemos nos valer. E podemos curar e apoiar também. Esta é uma das belezas da amizade: ela é uma via de mão dupla.

Mas -- sempre há um mas --, quem tem amigos também pode ter problemas. O principal, eu diria, é a provável dissonância que pode surgir numa amizade com o passar do tempo. Qual pessoa não muda ao longo do tempo? Você pode ter filhos, mudar de emprego e de vida, perder os pais, aprender a tocar um instrumento, passar por uma experiência de quase morte, largar tudo e ir para o Alasca, ganhar na loteria, ler um livro que te dê um estalo, entrar na faculdade, se mudar para outro país etc. Ou simplesmente pode mudar sua maneira de ver as coisas com o tempo, paulatinamente, e não perceber a mudança. Acontece que pessoas mudam. Se dessa mudança não vier maturidade, a amizade pode sofrer um forte abalo e se transformar em cobrança ou em uma forma limitada de inimizade.

Assim como na música, na amizade há ressonâncias, pausas, momentos de emoção e outros que dão sono e por aí vai. Não aceitar todos os aspectos dela (ou pior, não buscar entendê-los) seria limitá-la e transformar sua melhor característica, os laços, em grilhões. Quantas amizades não se extinguiram por conta de uma atitude unilateral? E quantas não evoluíram para outros tipos de afeto ou floresceram mais resplandescentes também por conta de alterações de atitudes ou mesmo de uma entendimento mais profundo do outro?

Retirada de: http://planetasustentavel.abril.com.br/album/veteranas-guerra-703029.shtml
jequitibá-rosa


Eu retomo a questão lá de cima. O que é a amizade para mim? Ela não tem um valor em si nem é um poder absoluto que tudo vence; essas são idealizações nocivas. Amizade é interação! Ela não é uma rocha firme, mas uma árvore que cresce com galhos tortuosos em uma matemática própria, e que eventualmente acaba morrendo e dando mudas. Mas lembre-se: existem árvores que vivem mais de um século!


segunda-feira, 11 de março de 2013

Dança ao som de cravo

tenho muito a dizer
mas me some a voz.
minhas cartas não chegam,
interceptadas por mão veloz
— saiba: a minha

e parece que bailamos
na eterna dança dos tolos
nunca um tirando o outro
mas apenas vendo o ombro alheio
passar e passar e passar

terça-feira, 5 de março de 2013

Vocabulárhio


É curioso como a palavra "emprego" foi limada do vocabulário das empresas, provavelmente porque ela implica um uso: da força de trabalho, do trabalhador. Afinal, se você é empregado, você é, em outras palavras, usado, tal como uma ferramenta, e é assim que as coisas funcionam no sistema em que vivemos.

Trocou-se:
emprego por oportunidade
empregado por colaborador
emprego novo por novos desafios

São sempre palavras que trazem visagens positivas sobre o trabalho numa empresa: a oportunidade de melhorar, o colaborar com uma equipe e assim fazer parte de algo maior que si mesmo, os desafios a serem transpostos e o caráter heroico que isso carrega em seu bojo.

E o que acontece? A verdade é escamoteada, e muitos passam mesmo a acreditar nessas quimeras, esquecendo que uma empresa sempre vai explorar seu funcionários, seus empregados; e isso não é um juízo moral - é tão somente um fato, para o bem e para o mal.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Confessional

recriei você em minha cabeça
tão perfeita em seus erros e sorrisos,
quase uma deidade de cabelo esvoaçante
uma visão forte demais, uma visagem.

faço isso com todos: os refaço
você porém é diferente -
me domina sem esforço ou jugo
aparece no meio da noite e não diz nada
surge em meu computador e me abre o mundo
desponta andando no meio de um poema,
me olha de esguelha e vai embora

ora se fecha em copas
ora se abre em flor

aprendi a não lhe seguir
a deixar que venha ou parta
como uma pétala ao oceano, fugidia

recriei você em meu peito
você porém é diferente
- e saiba: de tudo.

Paisagem de Santos

a brisa atlântica não me traz certezas
talvez pequenas epifanias e algum sal
talvez, apenas
na dúvida, estou na praia e sinto o vento
e uma distância oceânica me beija os olhos

concluo que não sei nadar e não sei desistir.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Relato de insônia

Preciso dormir, mas os olhos aguçados pela treva acabam separando o breu do negrume, em semitons de formas. E o silêncio, que por vezes é o contrário da luz, aplica a sensação de presa voluntária em desespero de nunca ser predada.

O que seria a paz da ausência de claridade se transforma no transtorno de penumbra que é o quarto de um insone, com seus móveis perceptíveis por pupilas tão abertas quanto as fauces de um abismo.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Teco de poema

Eu tenho mania de escrever em tecos de papel e só descobri-los meses depois -- dentro de um livro, no guarda-roupas, enfiado num encarte de CD, na gaveta de talheres... é, bem por aí --, e por isso eu comecei a colocar textos inacabados aqui, geralmente como rascunhos, sem publicá-los.

Por ter gostado bastante deste poema inacabado, vou deixá-lo à mostra. A ideia veio depois de assistir Amor e de conversar com uma moça, arquiteta cheia de ideias e de monólogos curtos. Tem uma sombras de um platonismo bem pilantra aí no meio, espero poder esconder isso quando acabar.

no coração: átrios
a cornija na fronte.
as pernas são de coluna
e a coluna é uma corrente
que liga
as partes ao todo, indiferentes.

áurea na medida e na luz que carrega,
o corpo é obra perecível e eterna
é a própria forma-arquiteta.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Ser tímido

A conversa é -- ou pode ser -- fruto do trabalho de mineração do tímido. A palavra guardada sob o solo duro do silêncio precisa ser prospectada, ou as relações correm o risco de permanecer como a paisagem dura e fria de montanha.

Não é fácil. Camadas de rocha separam-nos uns dos outros, a terra, o húmus e a grama; as árvores ladeadas pelo vento. No núcleo da terra, o calor. Entre ele e a casca periférica, a palavra.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Poema


Eu, primeiro parágrafo

misantopo ma non troppo,
pois mais anthropos que misos.


quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

A mão pesada de um poder imaginário

Este texto não procura dar nenhuma solução para o problema do abuso de poder policial (no caso, municipal), apenas levantá-lo e aumentar a inquietação sobre o assunto, que, pelo andar das coisas, infelizmente demorará um bocado para se tornar obsoleto.

A cada dia temos mais e mais provas de como o modelo repressivo de manutenção da ordem, que herdamos do governo ditatorial (com resquícios da Primeira República, por sua vez com prováveis respingos da Força Pública imperial), não funciona.

Muitas vezes, a sanção vem antes de uma averiguação imparcial ou mesmo de uma conversa. Seja numa voz mais dura, numa proximidade corporal desnecessária, num tapa no rosto, numa imobilização, a sanção vem antes da elucidação. Há sempre um culpado, e a possibilidade de ele ser você é grande. O espaço público é tutelado por um braço irritadiço e pesado, que não sabe avaliar ou compreender as várias formas de uso desse espaço. Sabe-se apenas guardião e julga-se autorizado para usar de força na maioria dos momentos, mesmo que os regimentos digam o contrário. O cidadão que fugir à regra pode ser punido com uma desmesura que só quem já a sofreu sabe o tamanho.



Policial civil à paisana ameaçando skatista. Pça. Roosevelt, Sao Paulo, 2013. 
(ver na íntegra)


Uma das bandeiras levantadas por algumas camadas da sociedade civil é acabar com o status militar da PM, o que seria um passo importante na reconstrução do imaginário de poder; não apenas uma mudança de nome, mas de estatutos e da visão que esses agentes de ordem têm de si e de suas funções numa sociedade sadia -- essa expressão chega a soar irônica, ou pior, utópica. 

O problema é que isso não basta. É um passo importante mas não basta, como se pode provar pelas ações truculentas das guardas civis que têm chegado a lume pelas redes sociais, e exemplos disso não faltam: temos o caso do skatista curitibano em meados de 2012, o dos agentes municipais em Belo Horizonte e por aí vai. Uma busca rápida pelo Youtube provavelmente trará mais visões desse sintoma, basta gastar um minuto procurando (aqui nos voltamos mais às polícias municipais, mas não podemos esquecer das ações da Polícia Federal contra os Munduruku em 2012, menos uma atitude irracional do que um ato estratégico do Governo Federal, mas muito mais nocivo, por mostrar como o Estado pode se voltar contra seus cidadãos).

A Guarda Civil ou Municipal não tem status militar, mas muitas vezes partilha do delírio de poder de sua correspondente estadual, a PM. Numa análise rápida, o sintoma não nos permite encontrar a raiz do mal, mas depurar um futuro diagnóstico, o de que não é apenas o status militar que torna a polícia excessivamente violenta; devemos lembrar também da relação entre o imaginário de poder criado pela herança militar e as forças de ordem pública.

Não podemos esquecer que vivemos num país em que dois regimes foram derrubados com participação expressiva do Exército, e mesmo que seu poder hoje não seja tão nítido, resíduos dele se espalharam pela sociedade. Não há um viés político para escoar esse poder, que acabou se esvaindo e se transfigurando em pura força e em espasmos menores, todos abusivos e que fogem à real atribuição das forças de ordem. Num país sem tradição democrática como o nosso, o abuso do poder das forças de ordem é uma prática arraigada profundamente em nosso substrato, e será muito difícil arrancar estas raízes e preparar o solo para um Brasil menos truculento. 

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Eclipse com brilho

Desde que comecei este blogue, poucas vezes falei de livros que li, mas dos livros que gostei. Quero salientar que isto não é uma resenha – com toda a carga que a palavra carrega –, mas um texto sobre um livro, escrito por alguém que gosta de histórias. Pois vamos a Eclipse ao pôr do sol e outros contos fantásticos, de Antônio Luiz M. C. Costa (Ed. Draco, 2010).






Antes de começar a falar do livro, é preciso dizer algo que talvez diga mais sobre meu gosto do que sobre o panorama atual da literatura de especulação brasileira: dificilmente consigo ler muita coisa de fantasia publicada hoje, especificamente de nossa literatura brasileira. Os motivos são vários, e alguns dos principais é falta de critividade na escolha de temas/elementos e mesmo a ausência de um trabalho mais minucioso na prosa. Há elementos batidos, como dragões e batalhas, usados em profusão e mesmo universos criativos sem o aprofundamento necessário, tudo amealhado com a falta de estilo que infelizmente, ao lado da falta de criatividade, ainda parece ser o calcanhar desprotegido de nossa literatura de fantasia. Não faço aqui uma crítica por criticar. Me coloco como um leitor, como alguém que gosta de histórias, e entendo que muitas vezes nossos autores deixam a desejar. Mesmo alguns consagrados escrevem num estilo desanimador, muito preocupados em ser um Tolkien ou um Asimov do século XXI, mas pouco envolvidos na depuração da própria escrita. Pode ser que eu tenha uma visão obtusa da situação, mas enxergo que a excessiva importância dada a conceitos, nomes de personagens e referências mitológico-literárias primárias acabam gerando obras derivativas e mesmo sem graça, infelizmente. Esse descuramento acaba servindo para reforçar a tal clivagem entre literatura de arte e literatura de entretenimento, tão citada pelos escritores de fantasia que às vezes toma a forma de complexo a ser vencido, o que para mim é realmente uma pena.



Corte para o Flashback.

Estávamos algumas colegas e eu na editora esperando os arquivos chegarem do estúdio, mas aparentemente o material demoraria um pouco ainda. Nós da equipe de revisão decidimos dar uma saída e ir ao mercado para matar tempo, mas no meio do caminho resolvi ir a uma livraria de RPG que fica próximo a meu trabalho. Apesar de estar geralmente destrancada, a porta de madeira da livraria permanecia costumeiramente encostada e com um aviso de “aberto”, algo romântico e como todas as livrarias deveriam ser. Nunca tinha entrado lá, apenas entreolhado pela janela numa de minhas correrias de paulistano atrasado, com uma curiosidade crescente de mais de um ano. Tinha ainda quarenta minutos sobrando antes que o intervalo acabasse, e optei por gastá-los lá dentro.

Entrei e acenei de forma um pouco tímida para todos que tiveram sua atenção deslocada pelo rangido denunciador da porta, e enquanto dois rapazes e uma criança conversavam sobre cartas e mana de um modo divertido de se ouvir, meus olhos e meus passos se dirigiram para a estante de livros. Pequeno e composto por algumas prateleiras que dividiam espaço com caixas de jogos de tabuleiro, o acervo tinha algumas pérolas da fantasia e vários títulos que desconhecia, e um deles me pegou de sobressalto, o Eclipse ao pôr do sol. Apesar de trabalhar com livros, não tenho o costume de folhear catálogos -- aliás, quanto a qualquer tipo de busca, sou uma pessoa caótica que confia muito no acaso --, e, apesar de estar familiarizado com os títulos da Editora Draco, desconhecia essa coletânea de Antonio Luiz M. C. Costa. Por sua coluna em CartaCapital e seu conto em Fantasias Urbanas (Ed. Draco), imaginei que poderia esperar ao menos uma prosa mais polida que o costume e que teria garantia de diversão. Comprei um volume e uma ediçãozinha de bolso de Lovecraft para fazer par.

Corte para o presente.



O livro do sr. Costa é composto de seis contos: “A Nascente na Serra”, “O Anhanga”, “Louco por um feitiço”, “Papai Noel volta para casa”, “O Cio da Terra” e “Eclipse ao pôr do sol”. A falta de um prefácio se fez notar, especialmente por não ser livro de autor estreante. Um dos contos, aliás, dialoga com a obra de maior ambição de Costa até o momento, Crônicas de Atlântida (Ed. Draco), obra essa que tem até mesmo uma enciclopédia online.

Apesar de terem sido escritos em períodos diferentes, os contos carregam uma unidade metodológica: o uso de elementos que podem ser reconhecidos pelo leitor e que trazem mais sabor aos textos, indo desde personagens consagradas pela tradição literária fantástica até figuras mitológicas e históricas, sempre emolduradas por uma narrativa ligeira que traz esse elementos à luz nos momentos corretos. Seria desnecessário dizer, mas os momentos de identificação desses elementos mostram-se um dos grandes prazeres proporcionados pelos contos de Eclipse ao pôr do sol; alguns em maior, outros em menor grau.

O uso da linguagem é outro atrativo do livro: cada conto traz em seu bojo uma dicção particular tanto na fala das personagens quanto na dos narradores. Em “A Nascente na Serra”, é a voz de um jovem do período quinhentista que ouvimos; “O Anhanga” nos remete a um estilo com divertidos ecos machadianos; chega-se a imaginar que o autor levaria suas aventuras para a rua do Ouvidor ou para o Passeio Público; em “O Cio da Terra” repete-se a ambientação portuguesa, com a diferença de ouvirmos um português de jeito contemporâneo, de 2009; já “Louco por um feitiço” (título que parece não se ajustar ao enredo) tem estilo e vocabulário semelhantes aos de Crônicas de Atlântida; “Eclipse ao pôr do sol” se vale muito da linguagem homérica, bem aplicada nos epítetos e na caracterização das personagens -- Kairos é um bom exemplo disso, assim como muitos dos diálogos entre as divindades; “A volta do Papai Noel” é o conto em que é menos possível identificar uma dicção com origem própria, talvez porque o estilo literário da literatura mitológica germânica não seja tão difundido entre nós brasileiros, lembrando que falo não dos mitos, mas da linguagem utilizada para sedimentá-los.

Após ler o livro de M. C. Costa, constatei que meu passeio na livraria não foi em vão. Li uma prosa bem-escrita e me diverti muito encontrando easter eggs literários; muitas vezes me pegava sorrindo, especialmente ao ler os nomes de Alcides e Viriato e ao perceber alguns contos se abrindo em significados. A conclusão que chego ao ler Eclipse... é que Antonio C. Costa se sai muito bem narrando uma história, mas consegue abrilhantar mais sua escrita quando segue reinventando e costurando mitos, sejam eles literários, religiosos ou históricos.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Do espaço e do tempo


Dante Gabriel Rossetti, Giotto pintando retrato de Dante (1852, 36,8 x 47 cm)


Por vezes, sinto-me numa grande paixão platônica: boa parte das pessoas que gosto ou que admiro mora muito longe, e a maioria das músicas que gosto foi composta por gente que já morreu.

Há uma boa dose de nostalgia nisso. Sinto-me partícipe de coisas que não vivi, talvez idealizando-as e mesmo assim vivendo-as. Os festivais nos quais provavelmente não iria se vivesse na época em que ocorreram, as pessoas que tenho por ídolos e com quem talvez tentasse me corresponder. Talvez talves tal ves pensei vivê-las, memórias criadas a partir de canções de época e de filmes em preto e branco. Vivências retroativas, meus amigos que não conheci e os que estão longe demais -- no tempo e no espaço -- para dividirmos um café numa tarde fria de sábado.

Toda nostalgia é um desejo de retorno. Odisseu já a sentia quando estava na ilha de Calipso, pleno de gozo que a ninfa podia-lhe proporcionar, mas concomitantemente vazio de sentido, sem Penélope e Telêmaco a seu lado, ausente de Laerte, seu pai e ex-governante de terra natal, Ítaca. Ele chegava a sofrer, tamanha sua vontade de retorno, de alcançar o nostos. Não é à toa que a palavra grega que representa o retorno ecoa em nossa língua no vocábulo nostalgia. Não é à toa também que dentro de nostalgia haja dor, algé em grego. Não, não é à toa. Mesmo os caminhos errantes dos idiomas, das línguas pátrias que se beijam e se digladiam, trazem sabedoria, e é a sabedoria de mestiçagem, da inserção do diferente, seja o diferente no tempo, seja o no espaço.

E é essa sabedoria que me salva. Toda essa mistura de espaços e de épocas, tudo num ponto focal, tal qual o aleph borgiano, que é nada menos que meu espírito e meu modo de absorver os dados que o mundo me dá. No final das contas, as facetas que não enxergo das pessoas e das coisas eu acabo por construí-las, vou fazendo simulacros e tornando as pessoas melhores do que elas são (e em alguns casos, piores, por que não?). Viram exemplos a serem seguidos, e é assim que melhoro como pessoa. A maneira de minha irmã -- que mora tão longe -- enfrentar as mudanças e sobrepôr-se a elas; o modo admirável como minha amiga Karen enxerga o mundo, a capacidade de Machado desvendar a alma do homem, a extração da humorística poesia do simples de José Paulo Paes, a invenção de Borges, a delicadeza de Neruda, os tantos compositores e poetas sem nome, que deles sobra apenas a obra e o engenho sem rosto, os operários dos monumentos de grandes fundações, o garçom que me sorri às nove da noite.

Ninguém conhece ninguém de verdade. É impossível. Estar sentado ao lado de alguém não me torna mais partícipe de sua vida do que escutar toda a obra de Ernesto Nazareth me permite conhecê-lo, mas posso chamar ambos, Ernesto e a pessoa do lado, de amigo. Para isso, deve haver um sentimento raro e uma atitude necessária: a afinidade e o respeito. Da junção de ambos nasce a admiração, e dela advêm os modelos, que se somam à busca do autoconhecimento. De todo esse tortuoso processo de nostalgia, pertencimento e aprendizagem, venho surgindo como um homem melhor dia após dia, e é por este motivo que não posso negar essa paixão e esse desejo de voltar para onde nunca estive.



Sobre cabelos, a falta deles e o divertir-se consigo


Fayga Ostrower,  Tempestade (1999, aquarela sobre papel arches - 75,5 x 56,5 cm) 


Venho notando ao longo dos anos que algo em mim diminui pouco a pouco. De começo tive vergonha em aceitar tal mudança, decidi tomar medidas e remédios, tentei fazer o relógio retroceder; posso dizer que obtive um pouco de sucesso, mas desisti da empreitada. De que falo? De meus cabelos.

Na infância, a irmã me chamava de Ovelha, por conta dos cachos. Hoje, além dela, meus sobrinhos; virei o tio Ovelha. O vizinho de vovó me provocava com o apelido de Biro-Biro, e uma tia brincava comigo, "venha cá, senhor Deus Menino". Meus cachos sempre foram uma das características que me identificavam. Curioso, por ser algo tão externo. Nos prendemos demais às superficialidades, talvez porque seja este o primeiro ponto de contato entre as pessoas. Como o início de uma relação se dá pelo intermédio da visão, é natural que estereótipos se afirmem, e mesmo que os estereotipados se aferroem a esses lugares-comuns.

De minha parte, decidi assumir a carequice. Posição tomada há mais de dois anos, quando "parei de me cuidar" nesse aspecto, agora apenas aproveito as brincadeiras dos familiares e rio de mim mesmo, algo que sempre fiz, mas com mais um elemento nessa equação de autotiração de sarro. Levo-me na brincadeira, apesar de brincadeira ser coisa muito séria.

Ah, sim. Não estou calvo, mas com clareiras à moda franciscana, assim como meu pai esteve. Não sou de vaidades intensas, mas diria isso tem lá seu charme.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Música medieval

As coisas estão bem corridas (tenho um livro para entregar semana que vem, não deveria estar escrevendo neste momento, mas agora já estou) e quero falar sobre o tema deste texto de um modo menos de passagem, o que espero fazer brevemente. Deixarei apenas um registro rápido, o de que a caixa de música que carrego no peito ganhou mais um compartimento: às canções brasileiras do início dos anos 1930 até os 1960 juntam-se a música do Medievo europeu.

Estou fascinado pelo que venho ouvindo, desde a música de teor sacro até os Carmina Burana, e é bom frisar aqui que não estou falando de música erudita no sentido forte do termo, mas de cantigas, composições jogralescas, cançonetas, saltarellos e música de relativo teor popular.

Uma boa mostra disso é uma das canções do Carmina Burana, Tempus est iocundus (O tempo está alegre), interpretada pelo grupo espanhol Artefactum. E interpretada mesmo, basta ver as brincadeiras vocais ao final da canção, um belo modo de interpretar o amor e sua relação com o voto de virgindade dos monges -- os carmina são uma coletânea de canções de caráter múltiplo, desde poemas sobre o vinho, passando pelo amor e pelos jogos de azar, até hinos religiosos. Eles foram compostos entre os séculos XI e XIII por monges germânicos conhecidos como goliardos, estudantes que, como a maioria nos dias de hoje e em todos os tempos, gostavam de um pouco de bagunça. Mas é preciso ratificar que há muitas composições de fundo moralizante e mesmo satíricas, que batiam de frente com a Cúria Papal da época e suas vestes de brocados dourados.

Tempus est iocundum, interpretada por Artefactum.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Expectativas para o futuro

quando nasci, me disse um anjo cansado
não tão torto, a cara era um tacho:
"Vai Nota Fiscal Paulista?"